sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Manutenção.

Pé depois de pé, o barulho de minhas botas batendo no chão como em um filme faroeste, às vezes isso é tudo o que eu gostaria de escutar, às vezes tem barulho demais e eu não consigo pensar, tem sido um inferno viver em minha cabeça. Eu tenho dormido mal e minhas olheiras já quase chegam aos pés, tenho comido mal e meu estômago vezenquando já quase se devora por conta própria, tem sido dias perdidos e eu não aguento mais perdê-los. Às vezes acho que a perda é tudo o que tenho e já não aguento perder mais nada.

Meu coração é um bar vazio tocando Johnny Cash, seria algo poético se ele não fosse um bar enevoado pela fumaça dos estragos do tempo, um bar onde se encontra vestígios de sua antiga clientela, essa que o deixou frio e vazio demais por tanto tê-lo maltratado. Às vezes acho que o que antes queimava em mim agora está adormecido pelo frio do passado, nem as musicas tem me parecido fazer tanto sentido agora. Eu tenho me transformado em um amontoado, algo abstrato, como uma arte exposta em um leilão pronta para que algum leão a devore. Cash ecoa pelo som do bar fazendo-me pensar que talvez seja a vida que queira devorar-me, que me devore da cabeça aos pé então, qualquer coisa que me tire dessa angustiante espera de uma coragem que eu não sei se um dia terei mas que preciso, qualquer coisa que me tire dessa frustrante inércia.

Sou um verso rabiscado, apagado e rescrito de novo, uma tentativa falha de não ser mais uma falha. A vida parece não parar para mim e a verdade é que o mundo não para de girar por nada, por ninguém. A gravidade às vezes parece evaporar de minhas células pois sinto-me embriagada de tanto girar e girar em um carrossel dos dias e ainda assim continuar sempre no mesmo lugar. Talvez eu seja um disco arranhado dos anos oitenta sem chance de conserto, talvez eu seja uma foto amarelada de uma polaroid antiga, talvez eu seja uma máquina de escrever sem botão nem tinta, talvez eu seja só mais uma em um milhão a ser um ser tão quebrado buscando ser consertado. Talvez eu só precise de coragem, o problema é que não se vende coragem em potes no supermercado e não se compra felicidade em aspirinas. Talvez eu só tenha que tomar uma última dose, esperar Johnny terminar seu refrão e fechar as portas do bar.

Talvez eu tenha que colocar a placa de manutenção.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Nana.

Ei Nana, eu sei que você não acreditava muito que existisse a parte de cima aí mas sei que é onde você deve estar agora, cuidando com os anjos de quem você pedia para eles cuidarem quando estava aqui. E eu me pergunto se você sente a minha falta e se sentiria orgulho de mim porque eu me lembro de sentir de você desde o dia em que aprendi a respirar. Sei que você não deve estar muito feliz com o que parte do que você deixou por aqui anda fazendo, mas eu prometo Nana, eu não vou fazer igual.

Eu sinto a sua falta.

Eu só queria dizer que eu sinto falta dos teus quitutes que tanto me lambuzavam a cara de açúcar, da tua fruta favorita que se tornou a minha, das tardes na cozinha perdidas sempre da melhor forma: preparando comida, das músicas que você cantava quando de dia faltava água e de noite faltava luz. Sinto falta do pão doce que para mim trazia todas as manhãs, dos fogos de fim de ano que você insistia em dizer que entravam pela janela para lhe fazer companhia e depois mais tarde, quando já não podia caminhar só, do penteado que sempre me deixava fazer mesmo que eu deixasse seus fios brancos desalinhados depois. Eu sinto falta da vontade que você tinha de que seguissem seus passos, aprendessem suas lições, levassem os seus valores, que alguém cantasse ou tocasse algumas canções, sinto falta do meu primeiro violão - foi você quem deu, você se lembra Nana? Ele está guardado por aí, é uma lembrança sua. Eu queria poder ver seu rosto de novo, sentir seu seu cheiro e abraço apertado de novo, eu queria poder dizer que eu era criança demais e não entendia um monte de coisas, mas agora eu entendo. Entendo as tuas histórias que sempre me faziam rir, entendo até as ilusões que nos momentos de delírio você dizia, entendendo todo o teu sacrifício, a tua garra, a tua luta, a risada escancarada quando dizia alguma besteira, entendo a alegria que sentiu quando teve a parte da família que faltava reunida. Entendo o que antes eu posso não ter falado tanto mas que agora, eu daria tudo para poder dizer de novo olhando pra ti. Mas eu sei que você sabe.

Entendo até o que as lágrimas que caiem agora querem dizer: saudade.

O tempo todo, Nana. Não é a mesma coisa sem você aqui.