"Tive um amor que me matou. E depois dele não existi mais. Depois dele não fiz nada que significasse estar viva, depois dele deixei que tudo passasse e acontecesse enquanto eu estivesse completamente alheia. Depois que ele me matou.
Tive um amor que me matou. E quando penso sobre o que é estar viva, sobre o que pode ser estar viva, ou sobre o que se sente enquanto se sente vivo: é naqueles dias que penso. Nos últimos dias em que estive viva e alerta para o mundo, vivendo merecidamente.
Tive um amor que me matou. E eu só posso ter merecido essa morte abrupta, sem aviso prévio, sem expectativa de desastre. Não há expectativa de recuperação. Por isso é morte. Não tem volta, por mais que eu ainda esteja aqui, escrevendo, pensando, e sonhando o tempo todo. Tenho sonhos bonitos com o amor que me matou, e quando acordo me dou conta da mentira que é sonhar. Quando a realidade é pesadelo.
Tive um amor que me matou. E depois dele nunca mais fui alguém. Depois dele passei a viver com medo, com medo de estar desse jeito: morta parecendo viva.
Mas nenhum outro estado faria mais sentido, aliás. Eu sendo zumbi, existindo sob a pele e os ossos, mas sem aura e sem nenhuma cor. Sem felicidade real, sem busca por coisa nenhuma. Sem planos. Com medo e pesadelos.
Tive um amor que me matou. E eu, morta viva, faço dele meu fantasma, e vejo-o o tempo inteiro. Antes, quando viva, as melhores partes do dia eram sair de casa para vê-lo. Sair de casa e olhar para ele. E estarmos juntos, e que ríssemos por todo o dia. E agora, cultivo o medo de sair por aí e vê-lo. E ouvir de novo em sua voz: que tudo ficou melhor depois que ele me matou. Que tudo está melhor agora. Tenho medo de sair e, além de vê-lo, ver tudo isso também: que ele ficou melhor comigo morta. Esquecida.
Tive um amor que me matou. E me esqueceu. E depois dele nunca mais estive viva, porque ele nunca mais lembrou que eu existia."
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